domingo, 8 de maio de 2011

Dupla Maternidade - Matéria conosco no Estadão

Ciça Vallerio - O Estado de S.Paulo
Três histórias diferentes se unem num ponto central: a realização do sonho da maternidade. Em todas, as personagens enfrentaram preconceito, discriminação e desamparo judicial para se tornar mães e constituir uma família. Mas valeu a pena atravessar os obstáculos: hoje, esses casais de mulheres festejam em dose dupla o Dia das Mães, ao lado de seus desejados e planejados filhos. Todos nasceram a partir de reprodução assistida, método cada vez mais adotado nas uniões homoafetivas.
Em um apartamento na zona sul da cidade, as pesquisadoras I. e A. celebram a data, pela primeira vez, ao lado da pequena E., de 3 meses. Por terem recebido ameaça homofóbica no blog de autoria de ambas, o Minhas Duas Mamães, omitiram seus nomes. Elas vivem juntas há sete anos e meio e, como muitos casais de lésbicas, tiveram a ajuda de um doador de sêmen para curtir juntas as delícias de uma gestação.

"Decidimos que eu seria gestante primeiro por causa da minha idade", conta I., que é professora universitária, especialista em neurociência. "Como estou com 34 anos e minha companheira, 32, não queria adiar mais por saber que a fertilidade vai se reduzindo à medida que o tempo passa." Elas planejam outro filho para 2012 - e será a vez de A. engravidar. "Desde pequena, sou louca por criança. E queremos que nós duas tenhamos essa experiência", diz A., biomédica que atualmente se dedica ao doutorado.

Em uma casa no extremo oeste da capital, as representantes comerciais Adriana Tito Maciel, de 28 anos, e Munira Khalil El Ourra, de 29, vão fazer uma festa especial no Dia das Mães. Adriana estava com o barrigão de sete meses de um casal de gêmeos quando as duas entraram na Justiça para o reconhecimento de dupla maternidade. Foram cinco recursos negados. Os filhos Eduardo e Ana Luiza nasceram e a batalha judicial só foi vencida em 9 de janeiro deste ano, poucos meses antes de eles completarem dois anos, na sexta-feira retrasada. Na sentença do Tribunal de Justiça do Estado, entre outros trechos, está assegurado "o dever da não-discriminação e igualdade às várias formas de família e aos filhos que delas se originem".

"Espero que, com essa decisão, outras famílias formadas por mães e mães, e por pais e pais, possam ficar legalizadas também", ressalta Munira.
 

É o que mais desejam as consultoras de negócios Suzana Adachi, de 34 anos, e Gyslaynne Palmerino, de 22. Juntas há 4, se preparam para a maternidade. No apartamento em que moram, na região central, o quarto que atualmente funciona como escritório está reservado para o futuro rebento. Em junho de 2010, elas recorreram à inseminação artificial com o sêmen de um doador anônimo.

Gyslaynne, que sempre quis gerar uma criança, engravidou. Mas, oito semanas depois, perdeu o feto. Passada a fase de frustração, elas se preparam para novas tentativas. O método, porém, será outro: Recepção de Óvulos da Parceira (Ropa). "Queremos que o óvulo da Suzana seja fecundado pelo espermatozoide de um doador anônimo, e depois implantado no meu útero", explica. "Esse processo dará um filho biológico com genética da Suzana e com meu sangue."

Foi por meio da Ropa que Munira e Adriana se tornaram mães - o primeiro caso registrado no País, de acordo com o ginecologista e especialista em reprodução humana Fernando Prado Ferreira, médico que realizou o procedimento nas duas. Mais do que uma escolha, foi a única maneira encontrada para Adriana engravidar. Com uma endometriose severa, ela não tinha óvulos "bons". Por outro lado, Munira os tinha em profusão. Dessa forma, foram transferidos três óvulos de Munira no útero de Adriana. E dois deles implantaram, dando vida aos atuais filhos do casal.

Depois disso, choveram pedidos idênticos na clínica. Os custos do Ropa vão de R$ 10 mil a R$ 15 mil. Como não há definição na legislação sobre esse procedimento, todos os pedidos foram encaminhados ao Conselho Federal de Medicina para obtenção de um parecer ético.

Desde outubro de 2010, seis casais aguardam o parecer da entidade. Enquanto a pendência não for resolvida, Gyslaynne e Suzana, por exemplo, têm de esperar para se tornar mães.

A reprodução assistida tem sido cada vez mais procurada por casais de lésbicas que querem ter filhos. A morosidade do processo de adoção e a dificuldade de homossexuais em conseguir adotar tem levado muitas mulheres a recorrer à inseminação artificial. Além disso, a divulgação na mídia e em redes sociais, especialmente blogs dedicados à questão da maternidade, e o maior acesso ao método também impulsionaram o interesse.

Segundo o ginecologista Fernando Prado Ferreira, que faz parte da equipe do Centro de Reprodução Humana do Hospital Santa Joana, atualmente, 40% do total de atendimentos realizados em 2010 no local foi de cônjuges mulheres. Em 2008, esse porcentual era de 10% e, em 2005, de menos de 2%. "Como a decisão do CFM está parada, pedimos ajuda jurídica à especialista em direitos homoafetivos Maria Berenice Dias (leia mais à página 8) para nos certificarmos de que há realmente necessidade de uma autorização como essa", conta Ferreira.

Enquanto a burocracia emperra, uma rede de mães duplas trocam informações sobre a conquista da maternidade via reprodução assistida. As pesquisadoras I. e A., mães da bela e sorridente E., fazem sucesso com o blog Minhas Duas Mamães. "Tem um monte de meninas tentando engravidar. Várias delas não imaginavam que isso seria possível sem recorrer à adoção", diz A., autora da página virtual.

Troca de ideias. Elas contam que o blog foi criado para que conhecessem outras famílias com duas mães e que, assim, a filha soubesse que não é a única gerada numa relação homoparental. "Quando crescer, vai ser importante para ela saber que somos uma família normal, independentemente da orientação sexual", diz I.. De quebra, trocam experiências e informações com outras mulheres em situação semelhante.

Seguindo os mesmos passos, mas ainda sem filhos, Gyslaynne e Suzana lançaram o Maternidade Dupla. Ele surgiu inicialmente como um diário, para que o futuro filho pudesse acompanhar a gravidez das duas mães. Com o insucesso da tentativa de inseminação artificial, o blog virou outra fonte de informações variadas e já foi acessado por mais de 36 mil visitantes. É uma legião de casais de lésbicas que, com certeza, não estão nas estatísticas dos 60 mil cônjuges homossexuais apontados recentemente pelo Censo 2010. Muitas preferem a invisibilidade e a discrição para se proteger de agressões homofóbicas. Infelizmente, ainda há quem teime em não aceitar a diversidade humana.

Plantando a semente da tolerância
Jéssica e Carina Ramires são casadas por meio de um contrato de união estável feito em cartório, uma vez que não existe regulamentação legal entre casais homossexuais. Como Jéssica já tinha uma filha biológica de um relacionamento hétero e sua companheira, outra filha nascida de uma produção independente, as duas criaram um grupo para reunir famílias homoparentais para trocar experiências e dicas.

Grupo Entre Laços
O Grupo Entre Laços foi criado com intuito de unir e dividir experiências entre Famílias Homoafetivas com filhos e Famílias Homoafetivas em formação. 
Oferece reuniões mensais, todo 3º domingo de cada mês com temas pertinentes às famílias e sempre um profissional na área para esclarecer e tirar dúvidas.
Para os interessados, o grupo conta com página de bate-papo e página.
Também podem entrar em contato pelo email: grupoentrelacos@live.com.br

Cinema e TV abordam o tema
As uniões homoafetivas são cada vez mais retratadas no cinema e na TV. Até o IBGE, pela primeira vez, apresentou no Censo 2010 a declaração de 60 mil cônjuges gays. O tema está inserido, ainda, em Amor e Revolução, nova novela do SBT: a atriz Luciana Vendramini interpreta uma lésbica. Nos breves lançamentos em DVD está o premiado Minhas Mães e Meu Pai - indicado a quatro Oscar este ano, entre os quais o de melhor atriz pela atuação de Annette Bening. Ela e Julianne Moore fazem o papel de um casal com dois filhos gerados por inseminação artificial. O filme tem direção de Lisa Cholodenko - ela própria casada com uma musicista. Ambas são mães de um garoto gerado a partir do sêmen de doador anônimo.

3 comentários:

  1. Tenho uma dúvida relacionada à escolha do doador de sêmen. Eu posso escolher um “amigo” que doe o sêmen para que eu possa fazer a ensiminação artificial? No caso, a identidade dele não precisaria ser preservada. Gostaria que ele pudesse ter também direitos sobre a criança apesar de não sermos casados.

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  2. Oi Laila! Vc pode sim escolher um doador conhecido! Mas para fazer a Inseminação Artificial na clinica, ele precisará passar por exames (basicamente o que um doador anonimo passa), mas não terá o tempo de espera (geralmente o semen doado fica aguardando 6 meses para poder ser disponibilizado para compra). Quanto aos direitos, vc pode deixa-lo registrar o bebe, ou somente deixa-lo participar ativamente da criação da criança, aí é uma escolha sua.

    Um abraço.

    Gy

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  3. Há diferença de valores relacionados a ter ou não o doador?

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